sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Escape do caos

Ele chegou, mesmo você fugindo dele com todas as forças restantes. Ele está aqui. E agora você não sabe qual a maneira certa de agir para despachá-lo para o além. Ele se apossou de você? Disseram-me que ele só domina uma vida se o derem chance. Porém, você fez tudo tão certo e como ele ainda se faz presente? Talvez alguém, num ato de maldade terrível,  tenha roubado as chaves do seu eu, feito uma cópia e entregado  nas mãos deste mal que agora consome seu pequeno e esquisito mundo.
Você escuta gritos, escuta NÃOS. Eles machucam. Você só queria um pouco de paz. Então, busque-a.
Respire, respire, conte até um milhão. Pense, busque uma saída. O caos só está começando a perturbar o teu sono, ele não se agregou ainda ao teu coração. É isso é bom. Aproveite o tempo, a chance e mande-o embora.
Arrume a bagunça, escute a voz de alguém que você ama, procure uma foto esquecida, e feliz, no fundo do armário. Sinta uma paz sincera, calma, e assim, sinta-se feliz novamente.
O caos vai embora. Ele sempre vai.

domingo, 18 de setembro de 2011

Eu...

perco o chão, eu não acho as palavras. Eu ando tão triste, eu ando pela casa. Eu perco a hora, eu chego no fim. Eu deixo a porta aberta. Eu não moro mais em mim.
(Adriana Calcanhotto)

sábado, 10 de setembro de 2011

“E o amor se estrepou...

... Daqui estou vendo o sangue que escorre do corpo andrógino. Essa ferida, meu bem, ás vezes, não sara nunca. Ás vezes, sara amanhã.”
Ao ler essas palavras, um dia em qualquer jornal, perguntei-me: O amor se estrepou? Amor se machuca? Amor sara? Amor acaba? E, hoje eu vi, acabou.
Agora só vejo as migalhas sofridas espalhadas pelo chão da casa. Acabou e eu não percebi o seu término contínuo. Só notei sua falta. Notei quando ouvi os seus gritos na rua quando eu pedia para você calar. Notei quando chorei baixinho, uma noite inteira, sem conseguir dormir ouvindo suas palavras rudes ao fundo. Eu notei, ali, que o amor havia acabado da forma mais trágica. Acabou sem respeito. Sem saudade, sem receio. Ele simplesmente acabou. E eu não sinto falta de senti-lo pulsar em meu coração.
O amor é doença para sarar? Talvez. Quem responde? Mas, se o amor não deveria ter cura, você a achou. Você procurou das maneiras mais ásperas e de forma incessante a cura para o maior bem da vida. Você gritou, xingou, esmurrou o amor que existia aqui. Você se afastou e parece ter levado tudo de bom que havia sido construído.
O sólido virou pó, e nem os seus restos eu encontro mais. Devem ter se dispersados pelo ar ao som de suas músicas berrantes que não sobrou nada para lembrar da época áurea aqui vivida deste sentimento tão nobre. Se foi. E em meio ao barulho vizinho, eu só consigo ouvir um vazio enorme do amor que achou cura, que achou o fim.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

(In)alterada até o fim

Permito-me certas vontades, pensamentos e faltas. Não sei ser tudo aquilo que esperam de mim. Sou transparente, não escondo meus sentimentos e vejo que isso incomoda. Como a sinceridade que todos pedem tanto pode incomodar? Isso te desagrada, rapaz? Eu me liberto do presuposto, do óbvio e da coerência imutável. Eu sou humana, sinto o sangue correr nas veias. Por isso vivo paixões, mudo de humor, oscilo do feliz ao rude em curto espaço de tempo. Não espere de mim sempre o mesmo rosto, sempre o mesmo olhar, sempre a mesma palavra. Eu não serei sempre do mesmo jeito. Eu sou a simples dissipação de tudo que é parte de mim. Pequenos pedaços tendem a constituir-me constantemente. Não, eu não permanecerei inalterada até o fim.

domingo, 4 de setembro de 2011

Modo de usar-se



"Coitada, foi usada por aquele cafajeste". Ouvi essa frase na beira da praia, num papo que rolava no guarda-sol ao lado. Pelo visto a coitada em questão financiou algum malandro, ou serviu de degrau para um alpinista social, sei lá, só sei que ela havia sido usada no pior sentido, deu pra perceber pelo tom do comentário. Mas não fiquei com pena da coitada, seja ela quem for.
Não costumo ir atrás desta história de "foi usada". No que se refere a adultos, todo mundo sabe mais ou menos onde está se metendo, ninguém é totalmente inocente. Se nos usam, algum consentimento a gente deu, mesmo sem ter assinado procuração. E se estamos assim tão desfrutáveis para o uso alheio, seguramente é porque estamos nos usando pouco.
Se for este o caso, seguem sugestões para usar a si mesmo: comer, beber, dormir e transar, nossas quatro necessidades básicas, sempre com segurança, mas também sem esquecer que estamos aqui para nos divertir. Usar-se nada mais é do que reconhecer a si próprio como uma fonte de prazer.
Dançar sem medo de pagar mico, dizer o que pensa mesmo que isso contrarie as verdades estabelecidas, rir sem inibição – dane-se se aparecer a gengiva. Mas cuide da sua gengiva, cuide dos dentes, não se negligencie. Use seu médico, seu dentista, sua saúde.
Use-se para progredir na vida. Alguma coisa você já deve ter aprendido até aqui. Encoste-se na sua própria experiência e intuição, honre sua história de vida, seu currículo, e se ele não for tão atraente, incremente-o. Use sua voz: marque entrevistas.
Use sua simpatia: convença os outros. Use seus neurônios: pra todo o resto.

E este coração acomodado aí no peito? Use-o, ora bolas. Não fique protegendo-se de frustrações só porque seu grande amor da adolescência não deu certo. Ou porque seu casamento até-que-a-morte-os-separe durou "apenas" 13 anos. Não enviuve de si mesmo, ninguém morreu.
Use-se para conseguir uma passagem para a Patagônia, use-se para fazer amigos, use-se para evoluir. Use seus olhos para ler, chorar, reter cenas vistas e vividas – a memória e a emoção vêm muito do olho. Use os ouvidos para escutar boa música, estímulos e o silêncio mais completo. Use as pernas para pedalar, escalar, levantar da cama, ir aonde quiser. Seus dedos para pedir carona, escrever poemas, apontar distâncias. Sua boca pra sorrir, sua barriga para gerar filhos, seus seios para amamentar, seus braços para trabalhar, sua alma para preencher-se, seu cérebro para não morrer em vida.
Use-se. Se você não fizer, algum engraçadinho o fará. E você virará assunto de beira de praia."
(Martha Medeiros)